16 de março de 2021

A partir de Puerto Montt, o projeto Kran oferece uma alternativa “verde” para manter ou recuperar as propriedades naturais da aquicultura, agricultura e espaços de tratamento de água. Manuel Vial, Chefe de Investigação e Desenvolvimento da Kran, explica algumas das funções e aplicações que podem ser dadas a esta nova ciência.

Da cidade de Puerto Montt, na região de Los Lagos, o empresário Jaime de la Cruz (55), inspirado por um seminário sobre novas tecnologias que participou há seis anos, decidiu construir um projeto avançado em tecnologia e sustentável ao longo do tempo. “Em um seminário, alguém disse: ‘Os negócios do futuro serão aqueles em que devolvemos à terra o que tiramos dela’. E isso me marcou tanto que contratei um engenheiro com o único propósito de me encontrar em projetos divertidos que tivessem três pilares: que fossem de alta tecnologia, na fronteira da ciência, e que fossem 100% verdes.” Foi assim que nasceu este projeto de nanobolhas, explica o fundador da Kran.

De la Cruz está envolvido na indústria de salmão há mais de 20 anos: foi gerente geral de um fornecedor de salmão, conselheiro da Salmones Chile e também tem sua própria empresa de embalagem para exportação de salmão. Em sua pesquisa para abrir um negócio, ele se deparou com estudos japoneses, de mais de 80 anos, em relação a bolhas que mediam menos de um micrômetro, com propriedades diferentes das bolhas comuns e que eram conhecidas como “nanobolhas”. Por esse motivo, o empresário decidiu viajar a Osaka para conversar com o cientista Takeshi Matsunaga, especializado na produção dessa tecnologia, e eles começaram a interagir para trazê-la para o Chile.

Manuel Vial (30), engenheiro civil industrial e chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Kran, explica que essas nanobolhas foram geradas pela primeira vez no início dos anos 2000, quando algumas hipóteses começaram a ser validadas em relação à sua carga elétrica e à capacidade volumétrica que podem ter. Vial conta que foi possível verificar que as plantas cresceram mais rápido com a aplicação de nanobolhas, o que motivou novas pesquisas e, por fim, foi criada a Fine Bubble Industries Association (FBIA), que reúne universidades e empresas internacionais para continuar aplicando e desenvolvendo a ciência.

Kran relata que sua missão é manter e restaurar as condições normais dos ecossistemas pertencentes a três indústrias principais: aquicultura, agricultura e também no tratamento de água. “Por exemplo, se você traz uma densidade brutal de peixes de cultivo, eles começam a esgotar todo o oxigênio da água e gerar muita matéria orgânica. Já a fauna local lá começa a desaparecer. Então, o que buscamos é mitigar ao máximo esse impacto que a industrialização da pesca está tendo”, diz o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Kran.

Uma das formas de conseguir isso, diz Vial, é tornar o sistema de aeração na água mais eficiente. O engenheiro diz que peixes e organismos aquáticos consomem e precisam de diferentes tipos de gases para sobreviver, e o principal meio de transporte desses gases são as bolhas. No entanto, ele diz que bolhas normais tendem a flutuar e se perder na superfície, enquanto as nanobolhas ficam mais tempo no meio. “Eles não sobem, se movem aleatoriamente e permanecem como uma reserva útil. Ou seja, os peixes, como precisam de gases, os consomem. Também plantas ou bactérias. No fim das contas, é muito mais eficiente como meio de difusão de gases”, resume.

Em outras palavras, o uso de nanobolhas evitaria a diminuição do oxigênio na água e manteria os níveis naturais nos ecossistemas que são usados para cultivo. Outra aplicação que a Vial destaca é o uso de nanobolhas na desinfecção. Ele explica que, devido ao seu tamanho, as bolhas são cercadas por uma camada elétrica muito alta. Segundo o engenheiro, essas cargas, quando liberadas, matariam bactérias e vírus.

“Em termos de tratamento de água, conseguimos reduzir os produtos químicos utilizados em até metade, o que também é positivo para o meio ambiente. Qualquer empresa que tenha produção tem tratamento de água e eles usam basicamente dois tipos de produtos químicos, que são floculantes e coagulantes. Conseguimos reduzir ambos, mantendo a operação. Também estamos trabalhando com viveiros em questões agrícolas, onde desinfetamos as superfícies das laranjas”, exemplifica.

A Criação de Nanobolhas

Manuel Vial diz que produzem bolhas através do sistema Venturi, que, explica, é um fenómeno físico. Este sistema funciona através da entrada de água através de um túnel, que em um ponto se abre em diâmetro. “Quando abre, é gerada uma diferença de pressão. Além disso, tem um furo na parte superior onde o gás que queremos é injetado. Essa abertura é onde toda a turbulência e geração de nanobolhas é gerada”, diz o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Kran.

Vial explica que estão constantemente testando novas tecnologias para que o sistema se torne mais independente e não consuma tanto de outras fontes. Atualmente, os custos operacionais da produção de nanobolhas estão concentrados no consumo elétrico das bombas que impulsionam os fluidos através dos tubos e do gás a ser incorporado. “Mas também estamos usando outros sistemas. Em vez de usar tubos de oxigênio, já estamos aplicando concentradores de oxigênio. O ar atmosférico é absorvido, todo o nitrogênio é retirado, é jogado para fora através de uma válvula e o resto é injetado. No final, é oxigênio quase puro”, diz o engenheiro civil industrial.

Ao desenvolver esse projeto, o pesquisador diz que o principal desafio está no fato de que as nanobolhas pertencem a uma ciência muito nova, e cada cliente se torna um caso de pesquisa, onde novos e diferentes resultados são observados. “Praticamente tudo o que fazemos não é ‘googleable’. É muito difícil encontrar informações. Então, estamos em uma ciência absolutamente nova em termos de pesquisa e ainda mais nova em termos de desenvolvimento”, diz Vial.

Kran também identifica o tamanho das bolhas como uma segunda dificuldade: as nanoescalas são invisíveis ao olho humano e, portanto, a única maneira de entender sua eficácia é por meio de sua aplicação e da observação dos resultados. “É preciso medir muitas variáveis, quais são os comportamentos, é uma quantidade infinita de pesquisas para pensar e repensar o que pode estar acontecendo. Mas, ao mesmo tempo, o torna super divertido e dinâmico”, acrescenta o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da organização.

Restauração de Ecossistemas

Vial diz que Kran experimentou um crescimento exponencial durante 2020, onde houve uma injeção de 2 milhões de dólares através do capital de risco Invexor. Atualmente, eles estão projetando novos escritórios, com um laboratório maior de pesquisa e desenvolvimento, a fim de gerar a produção em massa das máquinas de nanobolhas. Além disso, também contam com colaborações nacionais e internacionais, e contam com a aprovação da Associação das Indústrias de Bolha Fina.

“Temos um acordo de colaboração com a Universidad de los Andes. Na próxima semana vamos começar um acordo com a Universidade Católica de Valparaíso, que vamos enviar uma máquina e haverá estudantes de tese a olhar para a questão das nanobolhas. Além disso, a Universidade Técnica Federico Santa María de Valparaíso iniciará na próxima semana um acordo sobre a questão do tratamento de água. A Universidade Católica do Norte comprou-nos uma máquina. E fizemos testes na Universidade de Concepción com um cientista suíço”, diz Vial.

Em nível internacional, Kran relata que recentemente fez uma apresentação no Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, onde uma delegação das Filipinas se interessou pelo projeto e nas próximas semanas visitará os escritórios chilenos em Puerto Montt para conhecer a tecnologia e ver a possibilidade de aplicá-la no fundo do mar de seu país. Além disso, Kran planeja enviar máquinas para a Guatemala, em um esforço conjunto com a ONG Ibagua, onde buscarão recuperar as propriedades naturais do Lago Amatitlán, que tem 12 quilômetros de comprimento e 3 quilômetros de largura. “É um lago muito importante ao lado da capital e agora é um inferno em termos de poluição. Não há tratamento de água, nem doméstico nem industrial. Em duas semanas vamos enviar uma primeira máquina”, diz o engenheiro civil industrial.

Globalmente, o chefe de pesquisa e desenvolvimento da Kran diz que há um interesse crescente em preservar os espaços marinhos. Só no Chile, informa que 20% dos centros de aquicultura estão fechados devido aos seus níveis de deterioração e contaminação. “A questão da regulamentação muitas vezes não acontece até que alguma alternativa seja encontrada. Porque você pode pleitear, mas se ninguém der nenhuma solução, nada vai mudar. Então, se chegarmos e falarmos: ‘vamos fazer isso’, os regulamentos podem começar a exigir”, diz Manuel Vial.

 


 


FONTE:
La Tercera